sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Dar mesada para os filhos é um erro, diz especialista.


Como é a relação do seu filho com o dinheiro? 

Este é um assunto que interessa a todos os pais, especialmente em um país como o Brasil, onde falar sobre finanças ainda é um tabu para a maioria das famílias. Se você acha que a melhor alternativa para abordar o tema com os pequenos é a adoção de mesada (ou semanada), talvez você precise rever alguns conceitos.

Pelo menos essa é a avaliação do especialista em empreendedorismo e educação financeira João Kepler Braga, que escreveu o livro Educando Filhos para Empreender, da Editora Ser Mais. Segundo ele, se por um lado a mesada ensina às crianças a ter organização, controle e disciplina, por outro passa uma sensação equivocada de que sempre haverá dinheiro garantido.

“Devemos acostumar nossos filhos à necessidade de trabalhar e não à de esperar um salário fixo no final do mês. Não haverá empregos formais para todos os jovens da nova geração, por isso a importância de ensiná-los a encontrar alternativas”, afirma.

O especialista defende que os pais se perguntem por que dar ou não mesada aos filhos. “Na sua cabeça seus motivos são claros? E para o filho, como ele recebe e reage com ao seu ponto de vista? Geralmente, os pais repassam o que viveram. Quem nunca ganhou mesada na vida, provavelmente não dará para os filhos, mas ensinará como ele poderá conseguir, porque foi assim com ele.”

Foi o que aconteceu com ele próprio. “Meus pais nunca puderam me dar tudo o que eu queria. Chegou um momento em que meus amigos tinham tudo e eu, nada. Mais para frente, quando a gente se tornou adultos, eu me vi em uma situação financeira melhor do que a de muitos deles”, conta Braga, que hoje é investidor-anjo através da Bossa Nova Investimentos, empresário e escritor.

“Saber lidar com dinheiro não é uma tarefa fácil nem para os adultos, imagine só para uma criança. Até que a gente compreenda quais são os limites e as necessidades reais, a caminhada é longa. Determinar prioridades e saber dizer não quando você deseja comprar algo, mas entende que não é o melhor momento, é o maior sinal de maturidade e controle financeiro. Para o bem do seu filho, comece a fazer isso desde cedo, não dê tudo que ele pede de forma desenfreada, porque essa atitude só irá deixá-lo cada vez mais consumista e fútil”, avalia.

Os três filhos de Braga sabem o que é e como lidar com dinheiro desde cedo. A caçula Maria Braga, de 12 anos, produz cupcakes desde os 8 anos. O Davi Braga de 15 anos, é fundador de uma startup chamada List-IT, de lista de material escolar. O filho mais velho, de 17 anos, o Theo Braga, é produtor de eventos e vende ingressos.
“Desde pequenos, sempre quis acostumá-los a não ter ‘nada garantido’ (…). Não quero meus filhos focados em ‘empregos’, os quero pensando em ‘trabalho’, o que é bem diferente”, diz. “O que eu faço em relação a dinheiro: dou o suficiente para o lanche na escola e negocio a cada momento e a cada nova necessidade. Procuro promover e nutrir valores como conquista, competição, realização, gratidão, humildade, resiliência, tenacidade, liderança e interdependência.”

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Braga garante que seus filhos têm uma “vida normal”. “Eles vão para a escola, tiram boas notas, têm amigos, saem, namoram, fazem tudo o que qualquer adolescente faz”, conta. “Eu, enquanto pai, acompanho a dedicação deles para o empreendedorismo de perto e não permito que isso tome uma parcela significativa da vida deles ou os atrapalhe de alguma forma.”

O especialista concorda que o estilo de vida empreendedor também tem que respeitar a vontade dos pequenos. “Nem todo filho vai querer ser empreendedor desde pequeno ou demonstrar alguma vontade para isso, mas é importante que os pais estejam atentos para orientá-los de forma correta caso seja alguma coisa que parta deles próprios.”

Na contramão

A tese de que a mesada ou a semanada têm aspectos negativos para a formação das crianças vai na contramão do que a maioria dos planejadores financeiros defende. Para Álvaro Modernell, sócio da Mais Ativos, em vez de os pais quererem trazer as crianças para o universo adulto, é preciso fazer o caminho contrário. “Há uma tendência de querer tratar as crianças como miniadultos na hora de falar com elas sobre dinheiro, o que está errado”, diz.
Não adianta querer abordar o assunto quando chega uma conta de luz ou na hora de pagar a conta do restaurante. É a própria criança que vai determinar o timing em que a educação financeira deverá ser abordada. Por exemplo, quando ela pedir para comprar um brinquedo ou um lanche em um momento inadequado.
“Se ela quebrar um brinquedo, os pais nunca devem rapidamente substituí-lo por outro como se nada tivesse acontecido. Assim, ela começará, aos poucos, a dar valor ao dinheiro que foi gasto por aquele objeto”, afirma Modernell. “É importante explicar isso de uma forma simples. Quanto mais lúdico, maior é a chance de a ideia emplacar.”

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O educador financeiro defende que as crianças devem ter o próprio dinheiro, recebido através da mesada ou semanada. E o valor vai depender de cada um. “Não há uma regra para isso. Vai depender do estilo de vida da família, da condição dos pais e da realidade de cada criança”, diz Modernell. “O que eu recomendo é que, se os pais estão em dúvida, por exemplo, se dão 10 reais ou 15 reais por semana aos filhos, eles devem optar sempre pelo menor valor”, completa.
Isso porque é, sem dúvida, muito mais fácil subir o valor da mesada/semanada lá na frente do que reduzi-lo. “Além disso, deixar as crianças com menos recursos também vai forçá-las a controlar melhor seus gastos, o que acaba sendo positivo”, explica.

O consultor financeiro e autor de livros de finanças Gustavo Cerbasi, da Mais Dinheiro, também defende a mesada. E no livro Pais Inteligentes Enriquecem seus Filhos, da Editora Sextante, ele recomenda a mesada como um artifício para se abordar as questões do dinheiro, visando praticar a educação financeira.

“João Kepler não pratica a mesada com seus filhos, sequer recomenda o uso do instrumento. Entretanto, sem dúvida alguma, educar filhos para empreenderem é um avanço incrível nessa proposta, mesmo que a mesada esteja ausente. O papel da mesada é meramente ter um motivo para pais e filhos conversarem sobre dinheiro”, diz.

“Quando se trata de uma educação empreendedora, esse motivo extrapola a questão financeira: pais e filhos passam a ter motivos para conversar sobre finanças, estratégia, marketing, frustrações e planos mais ambiciosos. Ou seja, trata-se de uma evolução no modelo proposto para a educação financeira”, completa o consultor, que escreve o prefácio do livro de Braga.

Conteúdo publicado originalmente em Exame.com


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